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Arandu

“Nossos grandes sábios, na nossa aldeia, chamamos de Arandu, que significa ‘pessoas que conseguem sentir sua própria sombra’. A sombra está com a gente o tempo todo. “

PAPÁ, Carlos, líder e cineasta indígena do povo Guarani Mbya. Caderno Selvagem, Pytun jera, desabrochar da noite, editora Dantes, Rio de Janeiros, 2020. Fala na roda de conversa Céu durante o Selvagem, ciclo de estudo sobre a vida no Teatro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 14 de novembro 2019.

O pensamento ocidental sempre impregnou a sombra de conotação das trevas, de cargas negativas. Olhar para sombra é olhar para o erro, o escuro é o sofrimento, o inferno é onde não chega a luz. É nas profundidades das trevas se encontram as sombras, a escuridão. O pensador, líder e cineasta indígena Carlos Papa Mirim comenta como na cultura dos povos originários o escuro é o lugar onde nasce a vida, do escuro se cria o universo.

 

“No princípio o mundo não existia. As trevas cobriam tudo. Enquanto não havia nada, apareceu uma mulher por si mesmo. Isso aconteceu no meio das trevas. Ela apareceu sustentando-se sobre seu banco de quartzo branco. “

 

Tolamãn Kenhíri e Umúsin Panlõn Kumu. Antes o mundo não existia, Mitologia dos antigos Desana-Kẽhíripõrã, editora FOIRN, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro; UNIRT – União das Nações Indígenas do Rio Tiqui, 1980.

O escuro se projeta do dentro para fora. Carlos Papá explica a importância, na sua cultura, das sombras, dos seus entendimentos e da sua veneração. O escuro é energia feminina, é dessa força, dentro de nos que se cria a vida, que se desenvolvem os pensamentos e se articulam a sociedade. 

 

“Acreditamos que o escuro é responsável por todo o universo. O escuro é uma energia muito forte. O escuro está presente a todo momento. Na hora de dormir, na hora de encontrar a morte, ou até mesmo tentando encontrar a nós mesmo. (...) A gente não tem uma capacidade de, através do olho, enxergar; a gente já perdeu a noção de enxergar no escuro. Ou até de sentir o escuro. (...) A sombra está com a gente o tempo todo. Na hora de dormir, na hora de descansar, quando encontra a morte, o escuro e a sombra estão juntos. (...) E o escuro é mãe do universo. (...) O escuro é

a energia feminina.”

PAPÁ, Carlos, líder e cineasta indígena do povo Guarani Mbya. Caderno Selvagem, Pytun jera, desabrochar da noite, editora Dantes, Rio de Janeiros, 2020.

Se partimos do pensamento dos povos originários sobre sombra, dois anos e meio depois do início da pandemia, onde justamente o mundo teria sido jogado na sombra, como podemos rever nossas noções culturais e reverter nossos pensamentos, criando novas possibilidade, novos vocabulários, novas linguagens e novas narativas?

Como (re)usar a sombra como criação de espaços transcendentais, (re)usar a sombra na sua origem. Voltamos para caverna do Platão passando pela criação do protocinema como nos explica Werner Herzog no seu documentário “a caverna dos sonhos esquecidos” (2010). Numa conversa com Jean-Michel Geneste, diretor de pesquisa da caverna de Chauvet eles elaboram a ideia da primeira representação humana através da projeção de sombras.

“- Seria a forma como eles faziam fogueiras na caverna de Chauvet evidência do que projetavam suas próprias sombras nos painéis dos cavalos por exemplo?

- O fogo era um acessório para olhar as pinturas, e talvez para reunir as pessoas.

Quando olhamos com uma chama em movimento, podemos imaginar as pessoas dançando, com suas sombras.

- como Fred Astaire.

- Ele mesmo. Acho que a imagem dele dançando com a sombra é a mais forte de todas as imagens da representação humana, porque a primeira representação foi uma parede branca e uma sombra escura.”

“A caverna dos sonhos esquecidos”, 2010, conversa entre Wener Horzog e Jean-Michel Geneste, diretor de pesquisa da caverna de Chauvet.

A instalação Arandu, busca a dar essa nova identidade a sombra, em uma instalação de sombras coloridas interativa com o público, Arando convida o público à dançar com suas sombras, com sua representação. As sombras coloridas projetadas do público no chão, nas paredes são um convite ao visitante olhar para sua sombra, para sombra do vizinho, brincar com a sombra do outro, criando relações de interações entre todos.

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